PUB

Fact-Checks

Comer couve todos os dias deixa o cérebro 11 anos mais jovem?

25 Nov 2023 - 06:32
exagerado

Comer couve todos os dias deixa o cérebro 11 anos mais jovem?

Circulam nas redes sociais algumas publicações em que se alega, com base num estudo, que “comer couve todos os dias deixa o cérebro 11 anos mais jovem”. 

Num dos posts diz-se que os participantes deste estudo que consumiram couve ou outros alimentos de folhas verdes escuras (como espinafres) tiveram um declínio cognitivo muito menor do que os outros participantes, independentemente de fatores como “nível de escolaridade, prática de exercício físico e histórico familiar de demência”. 

É verdade que comer couve todos os dias deixa o cérebro 11 anos mais jovem? Afinal, o que demonstrou a investigação citada?

Estudo prova que comer couve todos os dias deixa o cérebro 11 anos mais jovem?

Em esclarecimentos ao Viral, Rui Araújo, neurologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa Neurologia (SPN), adianta que as alegações feitas nas publicações são “exageradas”. Aliás, acrescenta, os posts fazem “uma extrapolação do que está descrito no estudo” em causa.

Segundo o neurologista, de facto, o estudo em questão, intitulado “Nutrients and bioactives in green leafy vegetables and cognitive decline”, foi publicado na “Neurology”, “uma das revistas científicas mais conceituadas de neurologia”. Por isso, “foi revisto com cuidado” e representa “um nível muito elevado de evidência”.

Contudo, há algumas imprecisões na forma como se está a interpretar esta investigação. 

O especialista começa por explicar que “este estudo foi procurar a associação entre comer um determinado tipo de alimentos, os vegetais de folha verde – tais como a couve, os espinafres e a alface” – e “a trajetória cognitiva de um conjunto de pessoas”.

Tal como é possível ver no site da revista, o estudo contou com “960 participantes”, “com idades entre 58 e 99 anos”, “que preencheram um questionário de frequência alimentar” e tiveram duas ou mais “avaliações cognitivas” durante “uma média de 4,7 anos”.

PUB

O que se demonstrou neste trabalho? “As pessoas que consomem estes vegetais com mais frequência não têm tanta deterioração cognitiva como os que consomem menos”, esclarece Rui Araújo.


No entanto, frisa o neurologista, não é verdade que os investigadores tenham obtido estes resultados “independentemente de outros fatores de risco”, como se alega nos posts partilhados nas redes sociais.

Até porque se tratam de fatores – como a idade, a prática de exercício físico, a escolaridade e o histórico familiar de demência – com um peso considerável e inevitável na saúde do cérebro

Apesar de os investigadores “terem ajustado as variáveis”, levaram “estes fatores em consideração”, aponta. Isto porque não se pode, nestes casos, isolar um fator como “definitivo”, ou seja, não é possível “atribuir causalidade e dizer que é por causa do consumo de vegetais que houve menos deterioração cognitiva”.

Pode dizer-se, sim, “que parece existir uma associação entre uma coisa e outra,
apesar de se ter retirado a influência das outras variáveis”, esclarece o vice-presidente da SPN.

Por outras palavras, se for estudado o consumo de vegetais numa determinada população – como é o caso – “mas as pessoas que consomem mais vegetais também forem pessoas que, por exemplo, praticam mais exercício físico e têm um nível de escolaridade mais alto, é expectável que não tenham tanta deterioração cognitiva”.

Mais uma vez, isso não se deve apenas ao facto de comerem mais vegetais, mas também aos outros dois fatores. E, além das variáveis óbvias já mencionadas, frisa o médico, “podem existir outras que não se tem conhecimento, mas que também podem estar associadas” a esse benefício cognitivo. 

Qual o papel da alimentação na manutenção de um cérebro saudável?

Segundo Rui Araújo, a alimentação faz parte de um conjunto de fatores importantes na preservação e manutenção da saúde cerebral. Assim, recomenda-se uma “dieta mediterrânica”, composta, sobretudo, por “alimentos frescos” e “não processados”.

PUB

E, como se verificou no estudo em análise, “as pessoas que consomem mais vegetais”, nomeadamente os de folha verde, “parecem ter uma menor deterioração cognitiva”.


Além da alimentação saudável e equilibrada, existem outros hábitos que ajudam a manter o cérebro saudável. Rui Araújo salienta a prática de “exercício físico” e a estimulação intelectual.

Na visão do neurologista, também é importante que as pessoas se “mantenham envolvidas na sociedade”. 

O especialista salienta que tem sido estudada uma “associação entre a solidão e o desenvolvimento da doença de Parkinson, ou seja, as pessoas que estão mais sozinhas têm maior tendência para desenvolver este tipo de deterioração cognitiva e motora”.

Para mais, “não fumar” e “ter moderação no consumo de álcool” são medidas igualmente relevantes.

Em declarações anteriores ao Viral, a neurologista Cristina Duque já tinha referido outros hábitos importantes na manutenção da saúde do cérebro. São eles: manter uma boa rotina de sono (ver aqui e aqui); evitar danos traumáticos na cabeça; privilegiar ambientes saudáveis, apostando no contacto com a natureza; arranjar mecanismos que permitam gerir o stress.

Tudo isto tendo sempre em conta que “existem fatores genéticos e epigenéticos que condicionam também o nosso potencial, a nossa reserva e resiliência cognitiva”, referia a médica.

————————————————

PUB

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

exagerado

Categorias:

Alimentação

Etiquetas:

Produtos naturais

25 Nov 2023 - 06:32

Partilhar:

PUB